Uma imagem ganhou destaque nas manifestações de rua durante a famigerada Copa do Mundo de 2014: um pai enfurecido puxou o filho adolescente pelo braço e deu-lhe uma dura diante das câmeras. Não suportou a ideia de ver seu guri naquele esquenta de pandeiros “contra tudo que está” e mais alguma coisa que pode vir. O ringue de crenças estava claro: de um lado a carcomida geração dos que não buscam direitos, querem apenas privilégios medianos; de outro, a nova geração à caça de uma mudança abstrata, intangível; no centro do circo, a imprensa ululante a festejar o espetáculo gratuito.
Passados quase dois meses, o estudante de 16 anos concedeu uma entrevista à repórter Júlia Affonso, do jornal O Estado de S.Paulo. Descrente da política brasileira, foi taxativo: “Se voto mudasse alguma coisa, seria proibido!” O jovem paulistano engrossa o caldo formado por um em cada quatro brasileiros que pretendem votar em branco ou nulo nas eleições de outubro, ou são indiferentes aos atuais candidatos à Presidência da República, aos governos estaduais, às Assembleias e à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal.
Neste exato momento, os comitês de campanha estão torrando milhões de Reais em consultorias com cientistas políticos, antropólogos, filósofos, paleontólogos e urologistas para tentar descobrir como conquistar esse contingente superior a 30 milhões de eleitores optantes pela abstenção e que, somados e unidos, poderiam eleger o próximo presidente do Brasil. Equivocados, os candidatos buscam respostas na academia quando, na verdade, elas estão em qualquer barracão de escola de samba.
Há muito tempo as eleições brasileiras são um mero carnaval fora de época, uma micareta. No alto de carros alegóricos e trios elétricos, candidatos mascarados desfilam graça e simpatia enfeitados em plumas e paetês caríssimos, tentando incorporar símbolos de uma democracia decadente. Aos seus pés, uma súcia de foliões disfarçados de cidadãos pulando e sambando ao som de marchinhas ideológicas e toscas, bem menos galhardas que a “pipa do vovô”, que não sobe nem à base de “cabeleiras” e “sassaricos”.
A candidata à reeleição finge estar noutro planeta cubano, cerca-se de aloprados irresponsáveis — confusos entre o público e a privada — e troca o figurino de acordo com a plateia que a observa: num mesmo dia é capaz louvar Santo Expedito, saldar Orixás e orar em suntuosos templos messiânicos. A fantasia fica ao gosto do freguês.
Seu principal adversário não consegue emplacar um discurso de “mudancismo”— como diria o célebre Odorico Paraguaçu —, nem se livrar de penachos coloridos que insistem transfigurar suas vestes de bom moço mineiro, café com pão de queijo. Já o terceiro colocado nas pesquisas ainda não se deu conta de que sua vice-verde foi apenas um meme de 2010, tal qual a Luiza, que já voltou do Canadá. Seguem entre agulhas e alfinetes disfarçando extremismos entre cordiais saudações. Por fim, como não poderia deixar de ser, um pastor evangélico recita a Bíblia Sagrada e condena o carnaval de bacanas, bacanal de partidos políticos.
Daí, outros dois jovens de 16 anos, que decidiram não tirar título eleitoral, revelam à repórter do Estadão: “Não é meu voto que faz a diferença”. E não é mesmo! Quem decide eleição no Brasil são os foliões dessa micareta de picaretas, presos pelas cordas do voto obrigatório. Num país composto em sua ampla maioria por miseráveis ignorantes e por uma endividada classe média, a decisão das urnas fica nas mãos de dondocas com limite comprometido no cartão de crédito e pedintes de dentaduras. Não querer participar desse festival bárbaro e bizarro é uma decisão legítima. Quiçá saudável.
HELDER CALDEIRA é escritor e jornalista.
www.heldercaldeira.com.br – [email protected]
*Autor do best-seller “Águas Turvas” e da biografia crítica “A 1ª Presidenta”.