Por: Cássio Carneiro Duarte
Com o atual noticiário volta à tona os crimes relacionados a mineração e ao meio-ambiente desde o início da pandemia houve um aumento brutal na exploração de garimpo ilegal em terras indígenas — sobre isso o relatório do Greenpeace Brasil muito explica o que ocorreu e vem ocorrendo (bit.ly/3bZByKT) — consequentemente, a destruição predatória do meio-ambiente.
O confronto entre garimpeiros e os índios foi inevitável assim como ocorreu na Terra Indígena Yanomami, onde cerca de 27 mil indígenas vivem na região, alvo de garimpeiros que invadem a terra em busca da extração ilegal de ouro. Os confrontos foram iniciados a partir da construção de barreira sanitária por parte de indígenas no Rio Uraricoera, a fim de reter materiais de invasores que seriam levados aos garimpos ilegais na região e a Terra Indígena Munduruku onde Garimpeiros queimaram casas de moradores da terra indígena, no município de Jacareacanga, no Pará
Contra isso a polícia federal vem realizando diversas operações contra esse tipo de ilícito de exploração ilegal de minério em terra indígena , as operações que se destacam foram a op. kampai (bit.ly/3fpAQZy), op. crepitus (bit.ly/3frFhD9) e op. haraquiri (bit.ly/2RINF8w) .
Mais recentemente o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF n° 709 (íntegra da decisão aqui bit.ly/3hSKvcS) determinou que a União adote medidas para garantir a proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas que habitam as Terras Indígenas Yanomami e Munduruku, nos Estados de Roraima, Amazonas e Pará. No local, há presença de invasores que desenvolvem atividades de mineração, desmatamento e extração de madeira .
A atual legislação brasileira em nada impede aqueles que querem trabalhar com esse ramo de atividade empresarial, entretanto, seja pessoa física ou jurídica deve observar e cumprir aquilo que esta escrito em lei sob pena de ser responsabilizado nas vias, administrativa, civil e penal.
Acerca desse tema a Constituição Federal em seu artigo 20, inciso IX e XI estabelecem que são bens da União os bens minerais, inclusive os do subsolo (IX); e as terras ocupadas tradicionalmente ocupadas pelos índios (XI). E mais, conforme o artigo 21, inciso XXV, determina que compete a União estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa. Ainda sobre a atividade de garimpagem a Constituição Federal volta a mencionar no artigo 174, § 3º, que o Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
Em lei ordinária o regime de permissão de lavra garimpeira, ou seja, de autorização para exploração vem estabelecido na Lei n° 7.805/89 e dentre os assuntos abordados por essa lei estão a permissão de exploração de minério em área urbana, os critérios estabelecidos para permissão de exploração e o parâmetro a ser seguido para dar preferência de exploração as cooperativas de mineiros para obtenção de autorização legal entre outros assuntos. O estatuto do garimpeiro, Lei n° 11.685/08, impõe em seu artigo 12: I – recuperar as áreas degradadas por suas atividades; II – atender ao disposto no Código de Mineração no que lhe couber; III – cumprir e legislação vigente em relação à segurança e à saúde no trabalho .
Além disso, a Constituição da República confere proteção aos índios conforme a letra da lei e mais hoje no Brasil existe e está em plena vigência a Lei n° 6.001/73 (estatuto do Índio) que estabelece proteção a comunidade indígena com objetivo de preservar sua cultura , cabendo a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e administração indireta proteger e preservar seus direitos .
Por outro caminho, a Lei n° 9.605/98 (lei de crimes ambientais), criminaliza a conduta do garimpo ilegal e determina que: “Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida com pena de detenção, de seis meses a um ano, e multa” .
Ademais, como é monopólio da União (art. 177 da CF ) e os minerais conforme já escrito aqui um bem da União a sua explora seja em terra indígena ou não depende de autorização.
E, caso seja explorado um patrimônio nacional sem a devida concessão configura o crime estabelecido na Lei n° 8.176/91 que define os crimes contra ordem econômica em seu artigo 2 que fixa que constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo com pena de detenção de um a cinco anos e multa e incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima.
Sobre os aspectos processuais o ilícito ambiental (art. 55, lei 9.605/98) com pena de 6 meses a um ano e multa cabe os institutos despenalizadores tanto da transação penal , como da suspensão condicional do processo ambos institutos previstos na lei de juizados especiais criminais.
Já em relação ao crime previsto na Lei de crime contra ordem econômica (art. 2) com pena de detenção de um a cinco anos e multa caberá tanto a suspensão condicional do processo definido pela lei de juizados especiais ou o acordo de não persecução penal introduzido na legislação brasileira através da lei anticrime. Por último, em relação ao primeiro, o promotor é obrigado a oferecer e o segundo não e caberá ao defensor analisando o caso concreto e provas já produzidas e que serão produzidas melhor orientar seu constituinte se aceita ou não qualquer dos institutos.
Outro aspecto que chama a atenção atualmente diz respeito à conexão direta entre o garimpo ilegal e diversos outros delitos . A operação “marakata” , realizada em conjunto por Polícia Federal, Ministério Público Federal e Receita Federal, produziu elementos de prova que consubstanciaram denúncia oferecida pelo procurador federal , em 2018, em face de sete pessoas por crimes em transações com pedras preciosas. De acordo com a acusação, “a organização criminosa praticou crimes de evasão de divisas, contrabando, falsidade documental e sonegação fiscal, bem como a lavagem dos recursos financeiros auferidos desses crimes. As investigações apontam que a quadrilha movimentou R$ 176 milhões”.
Ainda segundo a acusação, o modus operandi, de maneira geral, se dava mediante o negócio de pedras preciosas e semipreciosas, com fornecimento de dólares no exterior para as operações de compensação paralela. Assim, os dólares provinham de pagamentos “por fora” de operações de exportação de esmeraldas e outras pedras para determinadas empresas, principalmente na Índia e em Hong Kong. Parte dos valores era internalizado no país pelo sistema de dólar-cabo invertido e usado para pagamentos em reais, também “por fora”, aos garimpeiros e atravessadores de pedras no mercado nacional .
Em conclusão, como se percebe, ao criminalizar o garimpo ilegal o que a norma visa proteger não é só a população indígena, mas também o patrimônio da União, o meio-ambiente, o sistema financeiro nacional e a ordem econômica.
Cássio Carneiro Duarte. Advogado. pós-graduado em direito penal e processo penal, pela Escola Superior de Direito – ESD; pós-graduando em direito penal econômico, pelo Instituto Brasileiro de Ciência Criminais – IBCCRIM em parceria com Universidade Coimbra – PT; Membro efetivo do núcleo de estudo e pesquisa em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Direito Público – IDP. E-mail [email protected]